Um dia na varanda...
Desculpem aqueles que esperavam que hoje falasse dos
"inteligentes como uma porta" que botaram "faladura" na Assembleia da República...
Não me apeteceu vê-los quanto mais falar deles...
Para mim o 25 de Abril sempre foi um sentimento muito
pessoal. Quando sucedeu a data propriamente dita era um bebé de 2 anos, mas
incrivelmente lembro-me de estar na varanda fazendo o "v" da vitória...
Depois tudo o que se seguiu nos anos seguintes... Aí as
memórias são mais vívidas... Grandes manifestações na praça Humberto Delgado...
Enormes bandeiras nacionais... As tardes quentes por fora e por dentro... Uma
sensação indescritível de esperança, de que tudo seria possível a partir dali...
Eram dias gigantes. As pessoas andavam de alma lavada, e
como era criança naturalmente não tinha ideologia ou clube partidário. Absorvia
tudo como uma esponja, e aquilo que "bebia" gostava.
Por outro lado um país que obviamente não mudou da
noite para o dia. Natural do Porto cedo senti as suas particularidades. Uma
cidade dominada por meia dúzia de famílias, umas burguesas, outras com uma
"patine" aristocrática decadente, presas num mundo retirado de um
romance de Eça de Queiroz...
Era uma cidade de contrastes gritantes. Bairros
populares (ilhas), com situações medievais e uma pobreza franciscana. Na escola
tudo se notava como hoje... A fome... A falta de educação e cultura, ou seja,
enormes clivagens sociais.
Depois meninos que pareciam saídos de um universo à parte...
Que cedo ingressavam nos colégios e externatos existentes um pouco por toda a
cidade, ou se deslocavam para esta ou aquela escola pública melhor referenciada,
as tais escolas dos betinhos.
Eu era "classe média"... Aquela coisa indiferenciada,
sem identidade marcada, mas que no fundo sustentava em grande parte todo um
sistema, e que era a primeira a sentir na pele as suas contradições,
fragilidades e crises...
Hoje passados quase 40 anos parece que voltou tudo ao
início, se calhar estava fadado a que assim fosse.
Como posso eu ter assim vontade neste dia de ver
discursar quem se vê a milhas que não o sente? Porque ao contrário do que
muitos dizem, gostar deste dia não é uma "coisa de esquerda",
pessoalmente nunca o senti assim, gostar deste dia é gostar da possibilidade de
mais possibilidades serem isso mesmo, possíveis!
© Manuel Tavares 25/04/2013
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