A dependência da "criação estática de riqueza".
Há uns tempos fui a uma
loja de ferragens de um Centro Comercial aqui de Ovar... Quando lá cheguei
encontrei o sítio...
A loja era grande...
Imaginei as sensações de todos aqueles que foram despedidos... Para afastar a
depressão resolvi ir comer no mesmo centro comercial num sítio com uns
grelhados porreiros... Chegado lá encontro o sítio... Estranhei... Estava
sempre cheio... Perguntei... "Renda alta"... Perguntei noutro sítio
"Sabe... Até tinham clientes... Mas a renda era alta".
Já tinha ouvido o mesmo
noutras ocasiões... Quando fechou uma sapataria , depois uma loja de sopas ,
outra sapataria , uma loja de artigos desportivos, uma de chaves e concerto de
calçado ... E etc, etc, etc ...
Há um conceito, que eu
analfabeto do "economiquês" chamo "criação estática de
riqueza"... Tomemos o exemplo deste centro comercial, relativamente
recente, houve nele obviamente um considerável investimento inicial, não nos
terrenos certamente, que naquela zona devem ter sido "vendidos" ao
preço da chuva pela câmara.
Esse investimento tem de
ser obviamente amortizado, mas é necessário esmifrar os lojistas?
O país está cheio de estes
exemplos de "criação estática de riqueza". Começam inúmeras vezes com
um investimento agraciado de condições vantajosas por parte do Estado (ou seja,
todos nós os que pagamos), geralmente a troco de uma promessa de postos de trabalho
para população e etc. e tal...
Vejamos por exemplo as
fábricas de muitas multinacionais, quando deixam de criar um índice de
"riqueza estática" pornograficamente alta os seus donos dão à sola,
deixando para trás desemprego e expectativas goradas, e levando consigo as
inúmeras vantagens fiscais e patrimoniais que lhes foram concedidas pelo Estado
(ou seja, todos nós os que pagamos).
Para desanuviar um exemplo
de "criação estática de riqueza" por parte do Estado, a ponte 25 de
Abril. Foi concluída em 1966 e paga não sei quantas vezes até hoje.
Evidentemente há gastos de
manutenção, certamente muito inferiores à receita que uma infra-estrutura
daquelas gera, e no entanto eis um investimento pago por todos nós e que se
transformou num fantástico encargo... Para muitos de nós.
Voltando ao Centro Comercial...
Porque continuam eles a insistir em preços absurdos que se tornam
insustentáveis para os lojistas em tempo de crise e respectiva quebra do
consumo?
Mais uma vez a resposta
reside no conceito de "criação estática de riqueza". Os donos do
Centro possuem obviamente reservas desse tipo de riqueza, o que lhes permite
hibernar durante um período de crise e, lamentavelmente, essa acção (que é
habitual a todos os que acumulam "riqueza estática") têm o condão de
o prolongar.
A hibernação da economia
advém precisamente da alienação do capital, transformado em "criação
estática de riqueza", gerando imensas reservas de "verdinho" que
circula sobretudo de forma virtual (aplicações nos esquemas habituais financeiros)
deixando a economia real órfã e a pão e água.
Todos gostaríamos de ter o
nosso esquema gerador de "criação estática de riqueza" (o aluguer de
um apartamento por exemplo). Eu não me importava e dava-me imenso jeito, agora
quando estes esquemas extravasam os limites razoáveis surgem problemas, nada
razoáveis.
Mas afinal o que quero eu
dizer com essa esquisitice que intitulei "criação estática de
riqueza"? Estática porquê?
Chamo estática porque penso
que há um equilíbrio que não deve ser quebrado entre o que efectivamente
produzimos ou investimos e aquilo que acumulamos.
Não vamos ser todos
milionários, e muitos mais pessoas do que julgamos até se está a borrifar para
isso e contenta-se com um grau de riqueza que lhe permita sobretudo viver com
dignidade.
No entanto o que se passa
cada vez mais é que a economia real está a ser sequestrada por práticas e
conceitos que estão fadados a originar a sua queda, uns defendem que sazonais,
outros afirmam que um dia será final e irremediável.
Será assim legítimo que
para uns poucos criarem doses massivas de "riqueza estática", muita
dela proveniente inevitavelmente da riqueza de todos, assaltada através dos
recursos que estamos fartos de conhecer, se ponha em causa a dignidade do
cidadão comum?
É assim extremamente
perverso, que consciente ou inconscientemente, sejam criadas condições para uma
efectiva exploração do homem pelo homem, não porque não há riqueza disponível,
mas porque não só está concentrada como é mal usada, ou nem sequer é investida
quando mais era necessário esse investimento.
Não leiam nestas palavras
algo de ideológico, nada mais errado, acredito que os sistemas são bons quando
servem um único propósito, dão espaço ao indivíduo para este criar a sua
própria liberdade, e não o utilizam para outro fim que não seja a manutenção
das mínimas condições para que essa liberdade possa surgir.
Sendo assim pouco interessa
o "pacote" e muito menos o nome do mesmo. O actual esquema político -
económico pode implodir a qualquer momento se continuar a sofrer das mesmas
subversões que o têm assolado. Se isso é bom ou mau é difícil de responder.
Partindo do curto prazo será certamente mau precisamente para os mais frágeis,
de que paradoxalmente o esquema actual se alimenta e perpetua.
Portanto era fixe que o
"pacote" se aguentasse fazendo as necessárias reformas para se tornar
mais amigo do homem e da economia real. Assim como está não vejo alicerces
sólidos onde os nossos filhos possam crescer com esperança.
Esperança. Falo em
esperança porque seguranças absolutas não há e é mentiroso quem as vende. O
homem tem uma natural necessidade de se tentar superar, de jogar com os seus
limites, de ter iniciativa, isso faz parte da sua evolução espiritual.
Naturalmente também tem de
haver uma ideia de comunidade e solidariedade muito mais madura que a actual,
que ultrapasse a "caridadezinha" privada ou estatal, e promova um ambiente social
e económico mais saudável e sobretudo dinâmico, precisamente mais independente
da tal "criação estática de riqueza".
© Manuel Tavares 16/02/2013
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